segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Dança do Ventre


Quando se ouve falar em "Dança do Ventre", logo vêm à mente a beleza e o erotismo fascinantes que esta arte evoca. No entanto convém lembrar que é no ventre que somos concebidos. Evocando, portanto, o processo de gestação e reprodução, esta região do corpo constitui-se de um conjunto integrado composto de três partes: superior, média e inferior.
A parte superior, o epigástrio, situa-se entre o diafragma e os pares de costelas flutuantes. A parte média, o mesogástrio, se estende dessas costelas até as cristas ilíacas. O baixo ventre, o hipogástrio, abrange toda bacia. O limite superior do ventre é uma estrutura muscular ímpar, assimétrica, o diafragma. O limite inferior é um conjunto de músculos esqueléticos que funcionam como assoalho da pelve. Esses músculos sustentam as vísceras ligando as coxas. No dicionário Aurélio, o verbete "ventre" é definido como toda a parte da frente e das costas, situado entre o tórax e a bacia, onde se encontram os aparelhos digestivo e excretor. Como um todo, o ventre inspira proteção e calor materno.
O que chamamos hoje de "Dança do Ventre", é proveniente de rituais sagrados do antigo Egito. Esta arte está ligada aos ritos de fertilização em honra às divindades femininas que protegiam as águas, as terras, as mães e os filhos. As sacerdotisas apareciam envoltas por véus com os seios nus, símbolos de fertilidade. Seus quadris largos evocavam a imagem de boas parideiras. Seus passos e gestos eram inspirados nos astros, como o Sol, a Lua e as estrelas, bem como na chegada da primavera, na flor de lótus, nas estações de plantio e de colheita.
Os animais sagrados, como a vaca, simbolizada pela deusa Hathor, eram modelos para a mulher egípcia, estimulando os dotes sensuais, artísticos e espirituais. Osíris, também venerado com atributos de animais, principalmente o touro, simbolizava a divindade, o mediador entre vivos e mortos. Ísis também foi cultuada com a cabeça de uma vaca. E era nessa forma que Hathor ara cultuada como a deusa do amor, das artes e da espiritualidade.
Se hoje pode parecer estranho deuses configurados em animais, há seis mil anos A.C. estas representações simbólicas serviam para ensinar parte dos mistérios e mitos de Ísis e Osíris ao povo egípcio. A mitologia egípcia diz que Maat, o princípio do equilíbrio e da harmonia, propôs a Ísis, que renunciasse à sua cabeça humana pela de uma de vaca. Chocada, Ísis recusou, e foi pela mão de seu próprio filho Hórus (filho de Ísis e Osíris: irmãos e amantes) que teve sua cabeça decepada, recebendo a de uma vaca.
O principal centro do culto de Osíris ficava em Abydos. Ali, todos os anos, na época da cheia do rio Nilo, realizava-se um festival que dramatizava o mito diante de milhares de fiéis. Em procissão solene os sacerdotes entravam no templo acompanhados por músicos e dançarinas. Cantava-se e dançava-se os mistérios de Osíris, a quem se atribuía, entre outros atos, ter ensinado a agricultura aos homens.
Sabe-se que essas festividades realizavam-se segundo indicações contidas em hieróglifos, o que garantia assim a repetição do esquema. Desta forma os egípcios fizeram sua primeira notação gráfica da dança através de hieróglifos. É por tudo isso que a "Dança do Ventre" é considerada uma dança sagrada. Ela propicia o contato com as forças divinas, que os egípcios acreditavam estar também nos elementos da natureza: Água, Fogo, Terra e Ar.
Entre as diversas modalidades da "Dança do Ventre", temos a "Dança dos Sete Véus", que simboliza as sete virtudes do homem no nível físico: esperança, fortaleza, prudência, amor, justiça, temperança e fé. Corresponde aos sete chakras principais, às sete maravilhas do mundo, aos sete elementos sagrados, aos sete planetas visíveis, às sete cores do arco-íris. Sua retirada simboliza o desapego, a materialidade e os sete vícios: vaidade, avareza, violência, egoísmo, luxúria, inveja e gula. Já a "Dança dos Nove Véus" representa os nove corpos do homem e o processo da transmutação. Os antigos egípcios acreditavam que o homem possuía nove corpos.
A dança com véu representa a vida, a fertilidade, assim como a morte e o renascimento. Está ligada ao lado oculto e misterioso, às quatro fases lunares e solares. Sua retirada revela o mistério e a gratidão à deusa Ísis. A dança com candelabro representa o equilíbrio entre o Céu e a Terra; a luz, a chama divina que esparge do universo.
A "Dança da Serpente" está ligada ao simbolismo do bem e do mal, o contraste entre o consciente e o inconsciente. Na "Dança da Serpente" o profano e o sagrado são contemplados pela sua beleza. Ela representa a força e o poder de domar as dificuldades da vida e manter o equilíbrio. O encanto das dançarinas serpentes revela a luz aos outros, sem se perderem na sedução do poder.
Entre outras danças ritualísticas, estão a dos punhais, das adagas, do bastão e muito mais...
Após os rituais, as dançarinas sacerdotisas, agradecidas e energizadas pelo contato com a deusa, prosseguem suas vidas como seguidoras da arte sagrada.
A importância do ventre e da região pélvica já estava registrada na pré-história nas cavernas, nas artes, literatura, mitologia, esculturas e pinturas. A "Dança do Ventre" propicia movimentos ondulatórios que massageiam todos os órgãos internos. Além de corrigir a postura, desvios de coluna e deslocamentos da bacia, tem outras inúmeras funções tanto a nível psicológico quanto no lado esotérico espiritual.
Nos últimos tempos a conceituação da "Dança do Ventre" sofreu uma metamorfose. Ligada a espetáculos, quase se desvinculou de seu caráter sagrado.
O resgate de sua verdadeira natureza e sentido vem mostrar que a mulher traz de volta o arquétipo feminino erótico, que durante muito tempo ficou soterrado pela incapacidade dos homens em lidar com o mundo integrado não só pelo poder, mas também pelo amor.